Cozinha

Criamos (e adaptamos) nossas próprias tradições, e essa era a minha a seis meses: cozinhar, com permissão dos chefs dos Malfoy, meus famosos cookies com gotas turquesas de chocolate amargo. Toda sexta-feira de madrugada, eles liberavam a cozinha para mim, só implorando que eu não fizesse muita bagunça. Todos os empregados da Mansão gostavam muito dos meus cookies.
Com Draco Malfoy preso, eu administrava todos os seus negócios, nos Mundos Bruxo e Trouxa, mas podia ficar na mansão aos fins de semana, sem ter que sair para viagens malucas ao redor do mundo, o que também me dava muito tempo para ficar com Josh e vê-lo crescer. Meu filho estava com mais de um ano agora e dando os primeiros passos, o que era lindo de se observar. Os figurões que mantinham negócios com Draco pareciam felizes em lidar comigo por telefone, acho que meu chefe colocava medo até neles. Claro, no começo de seu tempo na prisão eu fiquei perdida, não sabia o que fazia, mas então as cartas começaram a chegar e, mesmo da cadeia, Draco Malfoy conseguia ser preciso em suas instruções. Parecia adivinhar cada dificuldade que eu ia ter, e isso me deixou com muito mais poder perante tudo o que ele fazia. Por ordens dele, tomei a liberdade de aumentar meu salário. Agora eu já ganhava mais do que jamais ganhei no Profeta Diário, e estava economizando para comprar um lugar e morar com Josh quando saísse daqui. Sei que a possibilidade de nunca sair era grande, todas as coisas erradas que eu estava fazendo... Mas não havia tido que machucar ninguém ainda, pelo menos não fisicamente, e isso era bom.
Astoria Malfoy se revelou uma esposa preparada para enfrentar crises do melhor jeito que ricos enfrentam crises: fugindo. Assim que saiu a notícia sobre a prisão de Draco na festa Bruxo Destaque do Ano, a Sra. Malfoy fez as malas e avisou brevemente que iria viajar. Desde então não havia voltado, mas eu tinha sido informada que esse era procedimento padrão na Mansão quando o Sr. Malfoy fazia algo que a esposa não gostava. Quanto à Scorpius, havia voltado para Hogwarts e, pelas cartas que mandava e pelas vezes que conseguia fugir do castelo e vim para casa nos fins de semana (só pelos meus cookies, ele dizia), eu sabia que estava enfrentando problemas nos últimos meses de escola com relação a pessoas julgando-o pelo pai que tinha. Colocava-me no lugar dele e pensava no que eu poderia ter sofrido se revelasse quem era meu pai. Entendia porque ele voltava tanto para casa.
Portanto, a Mansão Malfoy se encontrava povoada apenas por empregados, e nós éramos muitos, a maioria leal o suficiente par não deixar suas tarefas a fazer. O clima na casa, ah, esse sim tinha mudado. Tudo estava mais alegre e tinha aprendido a chamar cada chef, mordomo e arrumadeira, de família. Josh era o reizinho da casa e, como a maioria trabalhava ali há muito tempo, era constantemente comparado com Scorpius quando pequeno. Até tinham achado alguns brinquedos e roupinhas guardadas daquela época que eu não me importava nem um pouco que servissem a meu filho. Isso tudo me poupava saídas para a rua, onde eu poderia ser descoberta, e então só colocava a cara no sol quando fosse estritamente necessário.
E foi por isso que levei um susto quando, preparando meus biscoitos, vi Anthony, o mordomo mais velho da casa, que estava com os Malfoy desde a época em que a casa serviu para assuntos da Guerra Bruxa (embora ele diga que nem metade do que aconteceu aqui foi parar nos livros disponíveis sobre a Guerra), parado na porta da cozinha. Ele diz que há uma pessoa lá fora, querendo falar comigo, e penso que deve ser algum cliente de Draco, mas meio desesperado, não? Para chegar aqui três da manhã... Até que ele fala o nome dela. Isabella Laurousen. Minha melhor amiga está lá fora, a alguns passos de mim, e eu só consigo pensar em como ela me achou. Mas então penso em tudo que devo à ela, principalmente explicações. E digo a Anthony que ela tem permissão para entrar. Tento me acalmar respirando fundo. Era só mais uma conversa que estava sendo adiada a muito tempo. Vai ser bom conversar com ela e...
Bella.
Ela está ali e, logo Anthony nos deixa sozinhas. Sinto meus olhos se encherem de lágrimas, porque ela é, realmente, uma visita do passado. Pela minha cabeça passam memórias do tempo que estivemos juntas, das fases boa e não tão boa, de como ela sempre esteve disponível para mim. Sinto de súbito vergonha por não ter procurado-a antes, para conversar, mas então passo a analisar minha amiga e vejo que a vida dela também mudou. Algumas coisas eu acompanhava pelos tabloides, mas não tinha certeza do que era mentira ou não. Ela parecia mais adulta, mais forte, mais aurora. Quando a vi ganhando o prêmio de Bruxa Destaque naquela festa soube que algo mudara e agora, vendo-a tão de perto, percebo que mudara para melhor. A Isabella de antes parecia ter todos os caras na mão, a de agora parecia ter todo o mundo na mão. Abraço-a com força e não deixo que fale nada. Sou eu quem devo falar e sei disso. Coloco-a sentada em uma das banquetas e começo a história, sem parar de fazer meus cookies, porque algumas coisas pelas quais passei não me davam nem um pouco de orgulho, e não teria coragem de encará-la quando as palavras saíssem da minha boca.
Conto sobre ter morado na casa de Lucian, sobre estar ruim, sobre ter saído e partido o coração do amor da minha vida para sempre. Sobre a parte em que fique perambulando pelas ruas até que o trabalho no bar aparecesse.
Conto sobre o nascimento de Josh e sobre tudo ter mudado naquele momento. E então me vejo divagando com Bella sobre o ser mãe e vejo que estou me apressando, já falando dos primeiros passos do meu menino.
Volto atrás e conto sobre o recinto não muito honesto atrás do bar, Dara, Victoire (e descubro que essa nunca contou meu segredo, outra amiga para se guardar), e Scorpius, meu salvador.
Conto sobre Draco Malfoy ter me aceito como assistente pessoal, aeromoça de plantão e copeira, e sobre como eu e meu filho nos sentíamos acolhidos e bem cuidados na Mansão Malfoy, e que, apesar de todo o trabalho sujo que eu fazia, era muito rentável e seguro para mim. Me permitia pensar no futuro e, às vezes, admito, esquecer de todo o passado que deixei para trás.
Quando termino de contar tudo, já estamos dividindo um pote de sorvete caro dos Malfoy, os cookies já estão saindo do forno e eu me sinto mais leve, como se precisasse dividir tudo aquilo com alguém. Me repreendo de novo por não ter contado antes e pergunto para Bella se algum dia ela vai me perdoar. Estou chorando, emocionada e livre pela primeira vez em meses.
Obrigada, amiga. Por tudo. Agora eu sou eu mesma novamente. Senti tanta saudades suas!

Trago Josh para Bella ver e ela se encanta. É a madrinha dele afinal, apesar de nós nunca termos falado detalhadamente sobre isso. Adoro ver meu filho dormindo tranquilo assim, é uma das melhores coisas que a segurança da Mansão Malfoy me proporciona...
Pelo menos eu pensava que estava segura, até que minha melhor amiga revela suas verdadeiras intenções de estar aqui e eu entro em desespero. Estou sendo investigada pelo Ministério, mesmo durante todo esse tempo achando que estava bem escondida, na verdade eles me vigiavam. Minha mãe me vigiava. Ela sabia de tudo. Bom, Bella não mencionou Lissa Oloked, mas não achei que precisasse. Achei que tudo o que acontecia no Ministério tinha dedo dela, sempre achei isso, e só um tempo depois Bella me contou que minha progenitora não estava envolvida. E que nem a própria Bella deveria estar. Entretanto, naquele momento, na cozinha dos Malfoy, com cheirinho de cookies e observando o resto do sorvete derreter, soube que chegara a hora. Precisava partir.
Corri até a casa dos empregados na propriedade, deixando Josh com Bella na casa principal, e, sem fazer barulho para não acordar os outros (minha família... Precisava deixá-los para trás, pelo bem do meu filho), enchi duas malas pequenas com artigos pessoais meus, mas principalmente de Josh. Cuidando para não esquecer seu brinquedo favorito, o shampoo que não ardia os olhos, o travesseirinho no qual ele se agarrava na hora de dormir... Não sei para onde Bella planejava nos levar, mas naquele momento percebi que, se fosse para não ser mandada para a prisão, para não ter meu filho arrancado de mim, eu dormiria em qualquer lugar. Voltaria para o bar. Choraria na porta da casa de Lucian. Josh tinha que ficar comigo.
Quando estou quase acabando de arrumar as coisas, pego o dinheiro. Todo o dinheiro em espécie que eu tinha conseguido juntar. Era uma boa quantia, deveria dar para nos sustentar por uns meses. Anthony está parado ao lado de uma porta quando me viro, e levo um susto. Explico rapidamente o que está acontecendo, enquanto tenho plena consciência do dia clareando na janela atrás de mim. Ele parece triste por me ver partir, mas diz que entende. Abraço ele, fora como um pai para mim nesse tempo que passe ali, e digo que logo ligarei avisando que Josh e eu estamos bem. Ele sorri e me deixa ir com um aceno triste.
De volta a cozinha, Bella conseguiu desmontar o carrinho de bebê e está com Josh no colo. Ela diz que usaremos a lareira e pó de flu, para não corrermos o risco de sair na rua e sermos vistas por olheiros do Ministério. Percebo que ela está se arriscando também, mais uma vez, por mim, e sorrio, agradecida.
Uma nova etapa da minha vida começa agora e, dessa vez, não estou com medo. Tenho meu filho, meu maior amor, e estou preparada. Nada, nunca, vai nos separar.